Igor Torres fala sobre representatividade negra na moda

Após o brutal assassinato de George Floyd, os protestos relacionados a luta racial cresceram consideravelmente, e com isso mais se falou de racismo e a falta de representatividade negra em diversos setores. Na indústria da moda essa falta de representatividade é mais do que evidente, além de ser um assunto relativamente pouco falado. Por isso a Freezone convidou Igor Torres, 20 anos, morador de Casimiro de Abreu, no interior do Rio de Janeiro, estudante de letras e aspirante a modelo, a conversar com a gente sobre seu ponto de vista da indústria fashion atualmente.

P: Por que você decidiu entrar pro mundo da moda e o que isso significa pra você?

R.: Há beleza na cor preta. E eu como pessoa preta e tantas outras em seus diversos tons tiveram/tem a cor de sua pele ignorada, principalmente na indústria da moda. Então vejo que eu ocupar este espaço da moda, um meio que pouco se valoriza às pessoas pretas, é representar a beleza que há na cor de nossas peles.

P: Para você, como a falta de representatividade contribui para o racismo na indústria fashion?

Igor: Vivemos em uma sociedade extremamente racista. E este racismo toma forma em diversas estruturas, principalmente no que diz respeito à esta industria. A falta de abertura e de oportunidade para pessoas pretas mostrarem mais de si neste espaço contribui em uma massificação do racismo, e se não ocorrer um “despertar” e pessoas atuando contra isso, ocorrerá a naturalização deste fato. E não é isso que queremos. Eu não quero isso.

P: Para você por que existe a gigantesca diferença de modelos negros em passarelas?

Igor: O preto, a cor preta sempre foi visto como algo inferior, ameaçador. Isso é reflexo de fatores históricos e sociais. Deste modo, tudo que é branco, claro, sempre foi visto como algo positivo, belo, terno, aceitável aos olhos da sociedade. Ver uma pessoa branca desfilando na passarela, posando em fotos é algo que sempre se espera. Nunca se espera o contrário disso. Mas surge algo curioso quando vemos modelos pretos(as) fazendo o seu lugar no espaço da moda pois não é algo que se espera ver a cada dia, diferente da pessoa branca. A partir disto, deve-se salientar no quanto a falta de representatividade e o racismo toma forma e se manifesta a partir do momento que fazemos estas observações e percebemos que tem algo de errado.

P: Sabemos que na indústria fashion que o tópico apropriação cultural é recorrente. Você acha que esse fator é determinante na desvalorização das culturas?

Igor: É necessário ponderar o modo como será visto se tal elemento (como um turbante, por exemplo) for usado em uma pessoa branca e em uma pessoa preta. Geralmente, na pessoa branca: “lindo, belo”. Mas na pessoa preta: “ah, pra que tudo isso? Não precisa”. Pois a grande problemática é a falta de consciência do quanto esses elementos carregam um peso histórico de resistência e tem o seu lugar específico na cultura negra, mas ele acaba sendo apropriado e utilizado apenas para “estar dentro da moda”, apagando e demonizando a história que há por trás disso. O uso até então é um problema? Bem… Não. Mas você, enquanto pessoa branca, se estiver se apropriando destes elementos para tachar uma imagem de “empoderamento” (que não cabe a você) e assim massacrar tal cultura, e cultura esta carregada nestes elementos, então a partir daí podemos dizer que sim, temos um problema a ser avaliado e questionado.

P: Importante ressaltar que a ausência de pessoas negras não acontece apenas na frente das câmeras mas também nos bastidores. O que pra você “explica” a exclusão quando falamos tão abertamente de racismo hoje em dia?

Igor: Falar sobre racismo não é o suficiente quando não vemos pesquisadores pretos exercendo grandes pesquisas, médicos negros ocupando significativamente os hospitais, as notícias nos telejornais sendo transmitidas por pessoas pretas etc. Não é sobre apenas bradar que vidas negras importam. É fazer valer a importância destas vidas, na prática. Fazendo com que pessoas pretas ocupem espaço em diversas estruturas.

P: Depois do assassinato de George Floyd os protestos relacionados ao racismo cresceram consideravelmente e com isso muitas marcas se posicionaram em relação aos fatos. Por mais conveniente que os posicionamentos tenham sido, essa visibilidade se torna importante ao movimento ou assim como a apropriação pode contribuir para banalização da causa?

Igor: A pauta do racismo tem sido uma discussão bastante recorrente. Mas infelizmente muitas empresas se apropriam deste assunto e como ele tem estado em alta para enriquecer, não a pauta em si, mas a marca. Correntes em stories do Instagram, perfis com a imagem preta… Tudo acaba se tornando um modo de promover uma imagem. Enquanto isso a cada 23 minutos um jovem negro morre no Brasil. Uma pessoa preta pode estar sendo morta neste exato momento por conta da brutalidade de um policial. E qual a justiça que está sendo feita através disso? O que os perfis pretos fazem por eles? Qual a solução que as correntes tem causado? Isso precisa ser levado a sério.

P: A mudança existe e ela vai ocorrer mesmo que de forma lenta mas pra como pra você a inclusão nessa indústria estruturalmente racista, gordofóbica e eurocêntrica pode ocorrer?

Igor: Não há maior inclusão do que quando damos voz. As pessoas tem muito a aprender com pessoas pretas (principalmente as mulheres), gordas, trans etc. Incluir não se resume apenas em close na passarela. Mas a oportunidade que se dá desta voz, historicamente reprimida por anos, bradar o seu grito. E o que cabe aos restantes? Ouvir. Apenas ouça. Ouça e aprenda. A inclusão começa a partir daí.

Pessoas oprimidas não podem permanecer oprimidas para sempre. O anseio pela liberdade eventualmente se manifesta.

Martin Luther King Jr.

Para mais informações acesse: https://blacklivesmatter.com/

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