Moda Crônica tecendo um novo estilo à democratização
O que significa a democratização da moda?
Democratizar é tornar acessível a todas as classes. Logo, democratizar a moda significa dar a todas as pessoas a liberdade de se expressarem, independente de sua renda ou status social. Mas será que um conceito tão claro e objetivo alcança todos os espaços?
Durante os anos, percebe-se que houve uma transformação gigante na indústria da moda.
(… ) o aumento da escala possibilitou que uma grande quantidade de produtos ganhasse as araras das lojas, inundando o mercado e provocando a sensação de uma “democratização da moda”. As marcas de fast fashion passaram a dominar o mercado, acelerando o consumo de produtos de baixa qualidade e preço.
Yamê Reis, em artigo publicado para o #Colabora
Mas ao decorrer do tempo, notícias que expõem a precariedade do trabalho começaram a ser noticiadas e começamos a entrar num questionamento pertinente: apesar do BUM da indústria, a moda é tão democrática como defendem?
Um fato que nos leva a este questionamento foi o desabamento que ocorreu em Bangladesh, capital de Dhaka, onde funcionavam várias oficinas de confecção, que deixou 1.130 mortos e expôs ao mundo as precárias condições de trabalho dos operários do setor têxtil do país. Com isso, iniciaram as indagações sobre quem produzia estas roupas, e as respostas não foram as mais agradáveis: o preço da roupa barata era financiada à custa de pessoas que trabalhavam em condições desumanas.
Ter quem levante a bandeira para defender a liberdade de expressão é essencial. E essa defesa não se faz apenas a partir de cartazes e gritos de protesto – e não retiro a relevância destes movimentos -, mas também através da decisão de vestir sua própria autenticidade e revelar no cotidiano sua verdadeira identidade. Roupa não é apenas um tecido que cobre seu corpo. Ela carrega histórias, cultura, ancestralidade, afirmação, empoderamento etc.
E é à luz desta reflexão que trouxemos Sara, fundadora da Moda Crônica, para falar sobre o assunto.
Sara Brunelli Machado Hudson, 29 anos, é Jornalista de Moda e Consultora de Estilo, com formação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Viçosa.
Seu perfil Moda Crônica surgiu em 2020, logo no início da pandemia e visa comunicar-se com pessoas que trabalham com moda (ou simpatizam com a área) e topam discutir temas cotidianos de uma forma mais questionadora, com foco em estilo pessoal. Em entrevista concedida à revista, Sara falou sobre o seu projeto, democratização da moda e construção de identidade. Confira!
FZ: Como surgiu o Moda Crônica?
Sara: Surgiu de uma rebeldia, hahaha. Eu sempre estive inserida na moda, mas nunca tive a audácia de traçar um caminho para torná-la uma profissão, porque cresci consumindo essa moda de um lugar muito distante. Sem grana, morando numa cidade pequena, sem acesso a roupas que não fossem majoritariamente doadas, tudo o que nos ensinaram que não casa com a moda, né? Até que ali no início da pandemia eu estava num emprego péssimo, sem perspectiva, e resolvi arriscar. Tinha acabado de me formar em Comunicação Social, trabalhava com marketing e comecei a oferecer esse serviço de forma autônoma para marcas de moda e influenciadoras (e divulgando através da produção de conteúdo no perfil da Moda Crônica). Mas como essa produção de conteúdo sempre foi mais questionadora, eu fui conquistando cada vez mais reconhecimento e abraçando novas oportunidades: comecei a atuar como consultora de estilo, os serviços de marketing se tornaram serviços de produção de conteúdo e hoje eu estou aqui, escrevendo todos esses questionamentos no meu perfil e de clientes-parceiros que acreditam no meu trabalho.
FZ: Você sempre pontua a importância de cada um criar o seu próprio estilo. Dito isso, qual o seu conceito de moda, considerando a forma como ela atravessa as suas abordagens?
Sara: Acho a coisa mais difícil do mundo definir moda, porque ela é ampla demais e a gente sempre deixa algo de fora. Mas vou aproveitar o gancho da pergunta e falar do significado que mais abraço hoje: o da comunicação. Quando você faz uma roupa, quando você escolhe uma roupa, quando você coloca uma roupa numa imagem, numa vida, você está sempre comunicando. É uma linguagem que fala muito sobre a gente, sobre o tempo, o lugar, e minhas reflexões passam muito por esse espaço – de entender o que a moda está comunicando e o que a gente tá comunicando com ela.
FZ: Sabemos que a moda, embora defenda a liberdade de expressão individual, não alcança espaços onde a norma social impõe regras rígidas sobre a aparência das pessoas, especialmente para aqueles em situação de vulnerabilidade social. Quais reformas são necessárias para promover a democratização da moda?
Sara: Combater a desigualdade. Queria uma resposta diferente, mas não tem. Não acredito que nada que parta somente da moda vai ser efetivo enquanto vivermos num sistema tão desigual quanto o que vivemos atualmente. A gente vai só mudando os problemas de lugar, com a falsa sensação de democratização. Paralelo a isso, acredito que a gente sempre pode melhorar o contexto ao nosso redor e é um pouco disso que eu faço ao promover reflexões sobre uma moda cotidiana e que, de texto em texto, vão ajudando a libertar mais mulheres de várias amarras em relação ao vestir. Mas resolver o problema mesmo é só na raiz.
FZ: Vivemos imersos em um mundo de tendências e há uma necessidade de nos tornarmos parte deste espaço. Você acha importante colocar um limite em tornar-se parte deste espaço e ao mesmo tempo agente da própria construção identitária?
Sara: Super! Todos os -cores e “tendências” estão aceleradíssimas. Elas são apresentadas pra gente de uma forma totalmente excludente e visando 100% o consumo. É tipo analisar clean e messy girl: ou você é uma, ou você é outra. E cada uma dessas nomenclaturas é vendida num combo do que você deve consumir para pertencer e, assim que o discurso muda, esse combo muda também, excluindo o que você entendeu que te representava anteriormente.
Ou seja: é zero sobre identidade, é só sobre consumo – e tem tantos bilhões envolvidos que você precisa entender o seu estilo de uma forma muito mais consciente para não perdê-lo de vista. Então nutrir uma identidade (real) é sobre ter esse pensamento crítico e se colocar sempre numa posição de segurança sobre o que se veste, entendendo que a multiplicidade também faz parte de um estilo/identidade e você não precisa ser só uma coisa ou outra.
FZ: De que forma você aplica este processo de construção de identidade no seu dia a dia? Há algum princípio indispensável?
Sara: Pra mim, o princípio indispensável é a sinceridade comigo mesma. Colocar os pés no chão, olhar no espelho, fazer terapia e me propor a entender, de verdade, o que eu estou sentindo, o que eu quero, quem eu sou. Sinto que quanto mais olho pra mim (mesmo que não seja sempre um olhar confortável), mais construo minha identidade. É sobre ter um certo egoísmo também, e ignorar o olhar do outro.
FZ: Qual orientação você daria aos nossos leitores que desejam construir sua identidade através da moda?
Sara: Não leve a moda tão a sério. Não ache que todo look tem que ser perfeito e representar isso ou aquilo. Se vista mais no feeling, deixa o processo mais gostoso e dê mais atenção para você. Busque menos inspirações na internet e abra mais o guarda-roupa pra testar. E não ache que dê pra construir identidade só com o que a gente veste – é muito além.
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