Não precisa ser Deus, seu Jair…

Lula se torna apto a concorrer às eleições de 2022 no mesmo dia em que Bolsonaro afirma à imprensa que ‘só Deus’ o tira da cadeira presidencial. Bolsonaro muito provavelmente tem razão, mas eu não arriscaria atribuir um papel dêitico a mais um humano, demasiado humano, como o é Luiz Inácio Lula da Silva. O discurso feito pelo ex-presidente em 10 de março de 2021, logo após a anulação de suas condenações da Lava Jato, pode ter feito alguns dos mais ferrenhos antipetistas chorarem de emoção. Já outros, chorarem de medo, pois é certa a força do novo lulismo: se ela é cria da péssima gestão de Bolsonaro, ou se o resultado eleitoral de 2018 foi cria das vastas denúncias de corrupção nos 13 anos de governo petista, eu não sei ‒ mas tudo indica que, em alguns anos, esse vai se tornar um dilema de igual peso a ‘quem veio primeiro? O ovo ou a galinha?’

É injusta uma comparação entre Jair Bolsonaro e Lula que ponha em pé de igualdade os dois, pois esta desconsidera que existam gradações do mal, como as ditas pelo falecido Nobel de literatura israelense Amós Oz. Estar supostamente envolvido em um esquema de corrupção e de lavagem de dinheiro é ruim; envolvimento em genocídio e limpeza étnica da população indígena, caso confirmado pelas investigações do Tribunal de Haia, é muito, mas muito pior. 

Grande parte do eleitorado de Jair Bolsonaro consistiu em indivíduos a favor das liberdades econômicas, que desejavam uma melhora da segurança pública e movidos por um sentimento anticorrupção. Não eram monstros, mas também não eram santos, porque era farto o material que comprovava seu desprezo por todas as pautas defendidas em sua campanha. Paulo Guedes, se é que algum dia foi o posto Ipiranga de Jair Bolsonaro, hoje em dia é o posto de gasolina da esquina onde os adolescentes vão comprar bebida escondidos dos pais: completamente desmoralizado por qualquer um que tenha estudado minimamente o liberalismo clássico e entenda suas divergências com o ‘liberalismo de araque’ apresentado por este governo. 

A frase, adotada pela pré-campanha de Lula, “vacina no braço e comida no prato”, é em sua simplicidade muito mais eficaz do que qualquer campanha publicitária já feita pelo atual governo. Lembra, até certo ponto, a slogans clássicos de propaganda da esquerda, como “pão, paz e terra” das Teses de Abril leninistas, e fornece um preview claro de como seria um terceiro governo Lula: sem rodeios, sem as dores de cabeça diárias do noticiário, e acertando onde Bolsonaro errou. Mas, é claro, não precisa ser Deus para fazer isso. 

Texto colaborativo escrito por Rodrigo Reichardt.

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