O absurdo não se discute, aceita-se como norma de conduta

O heideggeriano Byung-Chul Hun afirma, em Sociedade do cansaço (2010), que políticas imunológicas reminiscentes da Guerra Fria, reiteradas em um discurso do nós contra eles de roupagem contemporânea, são puramente espasmáticas de um recém-defunto estruturalista. A topologia freudiana, por sua vez, haveria de ser descartada, dado seu embasamento em uma estrutura disciplinar como idealizada por Michel Foucault. Em contraponto, Freud continua como um dos autores mais citados no meio acadêmico, tendo sido o mais citado do mundo em 2018.

            A ontologia freudiana trata de um sujeito dividido: a própria noção de Self é recorte de uma estrutura maior, o Seele, que comporta tudo aquilo que é nosso, mas não reconhecemos como tal. Sua topologia, que divide a psiquê entre Eu, Isso e Supereu, marca o rompimento da psicanálise com a medicina ‒ o sintoma mostra-se, antes de tudo, como algo interno e próprio da pessoa, e não algo externo feito para ser combatido, como um câncer. Não se trata, portanto, de uma teoria restrita à sociedade disciplinar, mas que carrega em si e no diálogo multidisciplinar, ferramentas para sua atualização em uma sociedade de desempenho. Por esse motivo, me recuso a crer que Freud há de ser vilipendiado justo hoje, quando mais nos tem a oferecer.

            Conheci uma garota alemã recentemente, estudando psicanálise aqui no Brasil. Intrigado, pergunto-lhe o motivo, o qual, segundo ela, consiste em uma rejeição sistêmica à teoria e clínica freudiana nos países germânicos. Brasil, ao lado da Argentina, encabeçam o grande polo de psicanálise na América Latina. E talvez seja por isso que não cansam de nos dar material para análise. Por qual outra forma se faz possível entender o porquê da Dias Ferreira, um dos points gastronômicos mais importantes da cidade do Rio de Janeiro, ter ganhado a alcunha de Covid Street? Ou uma política negacionista travestida de defesa às liberdades individuais ganhar espaço em um país reconhecido mundialmente por suas eficazes campanhas de vacinação?

            Não me levem a mal leblonianos que nada tem a ver com essa história: uso a Dias Ferreira como metonímia para o narcisismo, traço comum entre grande parcela da juventude. Ver in loco alguns rostos conhecidos, outros não, se alternando entre um gole de cerveja barata e uma tragada de maconha babada em uma pandemia que já conta com mais de 330 mil mortos é, para bem ou para mal, exemplo prático de como a morte deixou de estar a cada esquina e tornou-se imperativa na Cidade Maravilhosa. Seja pelo Tânato, pulsão de morte na metapsicologia freudiana, responsável pela manutenção do bem-estar quando a vida é motivo de angústia, seja pelo culto em si mesmo que, com um familiar na fila da UTI, converte-se em vilipêndio, uma coisa é certa: quem amadureceu durante a pandemia, amadureceu. Quem não amadureceu, não amadurece mais.

Texto colaborativo escrito por Rodrigo Reichardt.

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