Símbolo de resistência e um dos maiores nomes da moda brasileira, Zuzu Angel lutou contra a opressão da ditadura militar e usou a moda para denunciar as atrocidades do regime.
No dia 5 de junho, Zuleika de Souza Netto, mais conhecida como Zuzu Angel, completaria seu centenário. Ela foi uma das maiores estilistas brasileiras e ficou conhecida pelo seu trabalho e pela sua incansável busca atrás de seu filho, Stuart Angel, torturado e assassinado pelo regime militar, que é considerado “desaparecido político”.
Nascida em 1921 em Curvelo, no interior de Minas Gerais, passou sua infância em Belo Horizonte e sua adolescência em Salvador, na Bahia. No final da década de 30 ela se mudou para o Rio de Janeiro e começou a trabalhar como costureira independente, até um ateliê de moda contratá-la como costureira. Mas foi só nos anos 50 que começou a desenhar e costurar modelos, iniciando seu trabalho como estilista. No início dos anos 70, conseguiu abrir uma loja de roupas em Ipanema (zona sul do Rio de Janeiro) com o dinheiro de suas economias.
Em 1943, Zuzu casou-se com o norte-americano Norman Angel Jones, com quem tivera três filhos: Stuart, Hildegard e Ana Cristina. Mas em 1960, ela e Norman acabaram se separando por divergências conjugais.
A MODA DE ZUZU
Ela sempre valorizava matérias-primas nacionais em suas produções, como a renda brasileira e a chita. Também utilizou símbolos da cultura brasileira e regional para criar suas roupas, fazia estampas inspiradas no cangaço, no folclore, na fauna e na flora nacional. Ela até fez uma coleção inspirada em Lampião e Maria Bonita.
Zuzu conseguiu expandir seu negócio e passou a realizar desfiles de sua grife nos Estados Unidos. Era comum em seus desfiles a riqueza de cores, de estampas e a alegria que suas roupas transmitiam. Suas roupas também estamparam a vitrine da loja Bergdorf Goodman na 5ª Avenida, em Nova York.
Macacão estampado | Foto: Acervo Digital Zuzu Angel Vestido Estampa Festa de São João | Foto: Acervo Digital Zuzu Angel Vestido vermelho | Foto: Acervo Digital Zuzu Angel
Zuzu não mudou muito seu estilo até o desaparecimento – e assassinato – de seu filho, Stuart, pelo regime militar que governava o Brasil na época. A partir daí, ela começou a usar a moda como arma de protesto, pássaros engaiolados e armas passaram a fazer parte das estampas de suas produções.
“Roupa não tem importância. Moda tem. É um documento histórico. É criação e liberdade.”
Zuzu Angel
Um de seus marcos foi em 1971, o desfile-protesto que fez no consulado brasileiro em Nova York. O desfile denunciava a violência extrema da ditadura militar no Brasil, as modelos usavam roupas com estampas de fuzis e tanques militares. Ao final do desfile, Zuzu apareceu com um vestido preto, simbolizando seu luto, e com um cinto cheio de crucifixos, a todos os mortos pela ditadura. Sua luta foi tão grande que jornais internacionais noticiaram seu protesto.
Vestido Desfile-Protesto | Foto: Acervo Digital Zuzu Angel Vestido de luto | Foto: Acervo Digital Zuzu Angel Vestido de luto usado no desfile-protesto | Foto: Acervo Digital Zuzu Angel
O DESAPARECIMENTO DE STUART
Seu filho Stuart era estudante de economia e acabou se tornando militante do Movimento Revolucionário de Oito de Outubro (MR-8). Porém, acabou sendo preso no início dos anos 70. A partir daí, Stuart foi torturado e assassinado por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) e levado para a Base Aérea do Galeão, e foi dado como desaparecido pelas autoridades.
Após o “desaparecimento” de seu filho, Zuzu entrou em contato com diversas figuras políticas, brasileiras e de outros países, pedindo ajuda para encontrar o corpo de Stuart, o qual nunca foi encontrado, constando como “desaparecido político brasileiro”.
MORTE
Na madrugada do dia 14 de abril de 1976, Zuzu sofreu um “acidente” de carro na Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro. O carro que estava dirigindo saiu da pista e acabou capotando, ocasionando sua morte.
O curioso é que, uma semana antes do “acidente”, ela havia ido à casa do músico Chico Buarque de Hollanda e deixado um bilhete. “Se eu aparecer morta por acidente, assalto ou outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho”, escreveu ela no bilhete.

Esse bilhete foi apenas um dos estranhamentos sobre o que realmente aconteceu no acidente. De acordo com a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos, no relatório final há o depoimento de testemunhas oculares. Estes afirmam a presença de mais um carro, fechando o de Zuzu na estrada na hora do acidente, o jogando para fora da pista. No relatório, consta que a morte de Zuzu foi por “causas não-naturais”.
A confirmação na certidão de óbito de que ela foi assassinada só veio em 2019. Hoje em dia, consta como “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.